segunda-feira, 24 de maio de 2010

Já é hora de partir mesmo.

Resposta ao comentário Educação Moral e Cívica

Se é para tirar algo de bom das coisas eu prefiro raciocinar que esse seja o caminho natural de apenas uma pequena parte da humanidade, voltando às suas origens animais e instintivas. Ai você pergunta o que há de bom nisso. Aparentemente nada mas repito que apenas uma parte das pessoas está regressando por esse caminho. Há notícias muito boas e animadoras, especialmente em relação ao comportamento jovem. A nova geração está demonstrando mais tolerância, está mais criativa e menos preocupada com aparências. Mesmo parecendo ainda um pouco superficial, está mais viva na internet, buscando contatos com outras culturas e as pessoas dessas culturas. O acesso a recursos digitais cada vez mais democráticos está estimulando a criatividade dos jovens. Há novos espaços pra expressão, isso traz novas possibilidades de contatos com coisas novas e diferentes, com pensamentos diversos e assim as pessoas vão ficando mais interessadas nas outras pessoas e nos estímulos que suas diferenças trazem.

Dessa maneira apenas uma parte dos humanos, ainda fincados num mundo antigo e que regride constantemente, está preocupada em matar por lixo. Assusta uma notícia dessas mas anima ver que acontece na maioria das vezes entre pessoas velhas (de mente velha), não encantas com as possibilidades do novo mundo que estão pipocando a cada instante por ai. Os jovens estão correndo atrás desse novo e estimulante mundo sem fronteiras.

Ai tem pais que estão criando seus filhos de forma errada, sob princípios ultrapassados de levar vantagem acima de tudo, de padrões de beleza, de preconceitos de cor e religião, etc. Lamento por eles pois esses seus filhos estão tendo a bela chance de comparar essa criação jurássica com web cams que mostram outra realidade. Nelas estão gays, negros e muçulmanos legais, gente fina, divertidos e amigos. Se lenharam esses pais idiotas e venceu a diversidade amparada pela democracia dos bites! Viva!

Isso me encanta e me faz ter um pouco de pena dessas pessoas que ainda estão presas a sacos de lixo de vizinhos. Mas quero que, de alguma forma, elas se vão logo, se matando ou morrendo naturalmente mas que se piquem e deixem o mundo pra os jovens que estão ai.

sábado, 8 de maio de 2010

A vida é uma história

Dona Rita, eu gostaria de lhe falar um pouco da minha visão de vida. Talvez ela lhe traga um pouco de conforto e sentido para o que se passa com a senhora e seu filho.
Pra mim a vida é como uma história, uma história incerta mas que sempre precisa ser contada. Nós somos os atores e a nós é dado um papel pra desempenhar. Há uma certa platéia e ela espera que o nosso desempenho seja o melhor possível. Ela também espera de nós dignidade e amor. No entanto, nem sempre os papéis a desempenhar são os melhores, nem todos recebem os mais atraentes papéis, e mesmo quem os recebe acaba percebendo em um determinado momento que, como diz o ditado, "nem tudo são flores". Pra algumas pessoas o lado espinhosos  dos papéis ganhos é muito mais claro, evidente. Talvez esse seja o seu caso: a senhora tem um filho, uma criança linda, que era saudável e vivaz mas um dia isso foi quebrado, ele sofreu um acidente e sua vida mudou por completo. Aos 4 anos ele pisou num fio elétrico desencapado, recebeu um choque e teve uma parada cardíaca que acabou acarretando complicações que o deixaram assim, vegetando.
Hoje olhando pra ele ainda vejo o brilho de uma criança e posso imaginar seu rosto sorrindo ainda. Há muita dor envolvida nessa história, há tristeza e uma certa revolta, mas, dona Rita, pense na sua vida como essa tal história que lhe foi dada para viver. Pense no seu filho como o seu parceiro nessa história, pergunte-se como desempenhar seu papel da melhor e mais digna maneira, complete-se de amor e de resignação, chame pra perto de vocês aqueles que podem trazer mais e mais amor, conforto, luz e dias bons. Encare os novos obstáculos e as prováveis dificuldades de uma vida simples e certamente pesada com força e com certeza de que se vive um dia após o outro.
Não veja seu filho como uma pobre criança que perdeu a chance de viver plenamente, olhe pra ele e veja o apelo para que a senhora desempenhe seu especial papel de mãe. Beije-o todas as manhãs com amor e as cortinas se abrirão. Faça a coisa certa com dignidade e será aplaudida no final.


Kitsin Heiden

sábado, 1 de maio de 2010

O Sargento, Paulinho e a galinha de três olhos

O sargento era do tipo "ver pra crer". Coisas como fantasmas, discos voadores e todas aquelas histórias de homenzinhos verdes não lhe diziam muita coisa. Tudo era pra ser lógico, comprovado e preciso. Para tudo deveria haver uma explicação plausível, até para uma estranha figura, misto de água e galinha, retratada num  enorme poster que pendia na parede de seu quarto. Era uma serigrafia um pouco demodê mas intrigante: a enigmática ave teria três olhos.
Um dia seu netinho de oito anos, o Paulinho, o chamou no quarto, puxando-o pelo braço e perguntou, apontando para o tal poster:
__ Vô, por quê aquela galinha tem três olhos?
__ Não é uma galinha, Paulinho, é uma águia.
__ Águia é o quê?
__ É um animal voador, ao contrário da galinha, e também, ao contrário da galinha, é destemido e ágil.
__ O que é destemidóiagiu?
__ Destemido e ágil, Paulinho. Bom, destemido significa que ela não tem medo de nada e ágil quer dizer que ela faz tudo muito bem feito e com rapidez e precisão.
__ O que é precisão?
__ Precisão é... precisão é acuracidade, digo, perfeição.
__ Vô, é por isso que ela tem três olhos, então?
__ Digamos que sim. Na verdade não existem águias de três olhos mas esta foi assim pintada pois era um símbolo, provavelmente uma forma que o pintor encontrou para representar algo que tinha um significado para ele.
__ Vô, o que é significado?
__ Significado é... é explicação, relação com alguma coisa específica. Fui claro?
__ Não. Você parece com o Zeca quando fala: eu não entendo nada. Só é diferente porque eu consigo repetir as coisas que você diz mas não as que o Zeca diz. E sabe de uma coisa? Acho que foi ele que pintou essa galinha pois ele tem uma igualzinha e com três olhos e tudo.
__ Ah ah ah ah! Você é a gracinha do vovô. O Zeca é seu coleguinha da escola?
__ Não, ele é meu amigo que vem me visitar à noite. Ele entra pela janela e senta do meu lado na cama. Ele e a galinha. Acho que ele quer o quadro de volta. Devolve pra ele, vô.
__ Você andou sonhando, Paulinho?
__ Não, vô. Você devolve pra ele?
O velho sargento estava boquiaberto tamanha a criatividade do menino. Já escutara falar sobre amigos imaginários que acompanham crianças mas não pensou que isso acontecesse com seu netinho. Surpresas da psicologia infantil à parte, ele estava mesmo era atrasado pra sua partidinha de dominó. Pegou o casaco e saiu porta a fora.
À noite, de volta a casa, cansado e um pouco decepcionado por três derrotas consecutivas pro Gerônimo, um velhinho magricela dono de umas fazendas lá pelo sul, deitou-se e imediatamente pegou num sono leve. Algum tempo depois acordou sobressaltado com um barulho no seu quarto. No escuro, não pôde ver muito até que suas pupilas se acostumassem à pouca claridade. Andou cambaleante até a entrada do quarto e tateou a parede à procura do interruptor. Fez-se a luz e então viu: lá estava o pequeno Paulinho de pé ao lado do poster da águia com cara de galinha. O poster espatifado no chão. Numa bronca total, Paulinho disse:
__ Ta vendo, vô? Você espantou o Zeca e ele agora fugiu com o susto!
__ Paulinho! Ora, que maluquice é essa, menino? Vovô vai ter que te dar umas palmadas! Você estragou o pôster e ainda acordou o vovô com um tremendo susto!
__ Mas não fui eu, vô, foi o Zeca! Ele deixou cair quando se assustou com o seu ronco. Não fui eu!
__ E agora, o que eu faço com esse poster todo escangalhado, hum? Seu pai vai ter que consertá-lo! Mas antes ele vai te dar umas palmadas, viu?
__ Não, vô, não fala pro papai. Olha, o pôster tá quebrado mas olha só, o senhor pode ficar com a galinha verdadeira, a do Zeca, ela não foi, ficou aqui...
O ainda remelento general foi seguindo a direção que o bracinho miúdo de Paulinho apontava. No final de seu dedo indicador estava a mesinha de cabeceira, e nela, uma galinha de três olhos.