As tardes de domingo costumavam ser monótonas no outono. Mas aquela tarde havia sido especial. Era 1955 e o circo acabara de chegar a Red River Beach. O céu estava azul como o mar e o mar azul como o céu. A temperatura era baixa o suficiente para fazer com que um gordo não suasse mas alta o bastante para derreter nossos sorvetes de pistache com cobertura de caramelo. Muitas pessoas haviam vindo das cidades vizinhas para ver o circo: O Grande Circo Pompéia e sua principal atração, a bela Agostine, a trapezista cega. Eu próprio, confesso, estava tão ansioso que pedi a meu professor da surpreendente arte da captura de fótons, ou seja, da fotografia, Marcelo Reis, que me acompanhasse e me ajudasse na exaustiva tarefa de registrar todos os movimentos da fabulosa acrobata. Tudo ia muito bem, o leão e seu domador haviam acabado sua apresentação, alguns palhaços já haviam tomado quedas e trocado tortadas entre si, quando o nome de Agostine foi falado em alto som no alto-falante. Eu me arrepiei e a platéia se silenciou. Não é sempre que se vê uma trapezista cega. Ela entrou no picadeiro guiada por um chimpanzé desconfiado e com enormes balões coloridos presos à cabeça por barbantes. Ele a largou perto do mastro com degraus que a levariam à plataforma do trapézio. Sempre em silêncio a platéia observava a tudo. Agostine subiu lentamente, degrau após degrau. Ao atingir a plataforma parou. Esticou o braço direito e segurou sua haste de apoio. Respirou fundo e lançou-se. Antes mesmo que se pudesse ver algo mais, uma enorme claridade se fez no centro do picadeiro. Todos os olhares, até então atentos a Agostine, se viraram repentinamente em direção ao clarão, que já havia sumido mas deixado uma espessa fumaça amarelada. Do meio daquela fumaça, uma moça saiu correndo e gritava: "Eu sou Madonna Louise Ciccone, acabo de vir diretamente do ano de 1982, vítima de um experimento da NASA com uma máquina do tempo". Agostine, sem perceber o que se passava, continuou em seu, não mais tão interessante, bailado acrobático. A platéia se dividia entre estupefatos, incrédulos, calados e atordoados. E Marcelo, meu professor, fotografava Madonna, sem parar.
publicado pela primeira vez em 04/11/2004
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