quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Uma pequena divagação sobre o poder infinito do círculo



montagem feita por mim
O que é um círculo? É um polígono com um número infinito de lados. Se um círculo tivesse 3 lados ele não seria chamado círculo, seria chamado triângulo, que é um polígono com 3 lados. No entanto, para uma figura com uma quantidade infinita de lados se deu o bonito nome de círculo. É estranho pensar que podemos contar até mais, mas muito mais, de 1 trilhão de lados de uma figura, mas não somos capazes de contar quantos lados um círculo tem. Não somos capazes por que, mesmo que nos empenhássemos nisso com toda a força e alma que temos, não teríamos tempo de vida suficiente para concluir essa tarefa. Nem que nos sucedessem nossos filhos, netos, bisnetos, tetranetos, etc. Sempre vai haver mais um lado dessa figura para ser contado, sempre, um após o outro, para toda a eternidade. O universo também é infinito, dizem. Imagina-se que ele siga avançando sempre e sempre, para sempre. Uma figura refletida, ao mesmo tempo, por dois espelhos paralelos entre si também gerará uma quantidade infinita de imagens. A seqüência dos números também é infinita. Sempre haverá um número após o outro, não importa até quanto se conte. Mesmo no mínimo espaço entre o 1 e o 2 há uma infinidade de números, tantos que nunca se chegaria a contar todos, isso por que eles nunca acabam. E ainda tem o tempo, talvez a mais abstrata das coisas infinitas. Essa idéia de que uma coisa tem começo mas não tem fim nos deixa loucos. Para nós, seres humanos acostumados com a banalidade do normal, o fato de admitir que algo foge à nossa compreensão medíocre chega a ser assustador. Por isso, cavoucamos o absurdo até achar algo normal nele, uma gota de comum que nos deixe mais tranqüilos. Dessa forma, a idéia do infinito que há no círculo, vem a nosso socorro. Esse elemento, embora composto de uma quantidade interminável de lados, ainda assim, é uma curva com início e fim. Para sentir isso, basta desenhar um círculo com um lápis. O fim de sua curva encostará no seu início, como uma cobra mordendo o próprio rabo. Por tanto, o poder infinito de um círculo só existe quando ele é muito, mas muito maior do que os seres que o concebem. Para nós, um círculo de raio igual a 30 cm, por exemplo, terá um início e um fim bem claros. Mas se nos empenhássemos em tentar entender um círculo com 300 trilhões de quilômetros de raio, bem, ai não seria mais possível imaginar seu fim, só seu início. Talvez isso nos ajude a compreender, e aceitar, um pouco o que ocorre com o poder infinito do espaço, das imagens refletidas em espelhos paralelos, dos números e do tempo. Talvez eles não passem de variações do mesmo tema, círculos e mais círculos, começando e acabando em si mesmos. Como o círculo, talvez o universo tenha tido um começo mas já tenha terminado também. Ele formaria um círculo tão imenso que nós, criaturinhas minusculamente insignificantes, não podemos conter em nossas consciências; talvez as imagens reproduzidas infinitamente na superfície de dois espelhos se interrompam na sua origem; talvez os números, que começam no zero, terminem nele mesmo. E o tempo, esse estranho companheiro imaginário, que parece mesmo não ter fim, terá seu derradeiro final lá, justamente quando tudo começou.
Publicado pela primeira vez em 27/05/2004

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

O dia em que Agostine se apresentou em Red River Beach

montagem feita por mim
As tardes de domingo costumavam ser monótonas no outono. Mas aquela tarde havia sido especial. Era 1955 e o circo acabara de chegar a Red River Beach. O céu estava azul como o mar e o mar azul como o céu. A temperatura era baixa o suficiente para fazer com que um gordo não suasse mas alta o bastante para derreter nossos sorvetes de pistache com cobertura de caramelo. Muitas pessoas haviam vindo das cidades vizinhas para ver o circo: O Grande Circo Pompéia e sua principal atração, a bela Agostine, a trapezista cega. Eu próprio, confesso, estava tão ansioso que pedi a meu professor da surpreendente arte da captura de fótons, ou seja, da fotografia, Marcelo Reis, que me acompanhasse e me ajudasse na exaustiva tarefa de registrar todos os movimentos da fabulosa acrobata. Tudo ia muito bem, o leão e seu domador haviam acabado sua apresentação, alguns palhaços já haviam tomado quedas e trocado tortadas entre si, quando o nome de Agostine foi falado em alto som no alto-falante. Eu me arrepiei e a platéia se silenciou. Não é sempre que se vê uma trapezista cega. Ela entrou no picadeiro guiada por um chimpanzé desconfiado e com enormes balões coloridos presos à cabeça por barbantes. Ele a largou perto do mastro com degraus que a levariam à plataforma do trapézio. Sempre em silêncio a platéia observava a tudo. Agostine subiu lentamente, degrau após degrau. Ao atingir a plataforma parou. Esticou o braço direito e segurou sua haste de apoio. Respirou fundo e lançou-se. Antes mesmo que se pudesse ver algo mais, uma enorme claridade se fez no centro do picadeiro. Todos os olhares, até então atentos a Agostine, se viraram repentinamente em direção ao clarão, que já havia sumido mas deixado uma espessa fumaça amarelada. Do meio daquela fumaça, uma moça saiu correndo e gritava: "Eu sou Madonna Louise Ciccone, acabo de vir diretamente do ano de 1982, vítima de um experimento da NASA com uma máquina do tempo". Agostine, sem perceber o que se passava, continuou em seu, não mais tão interessante, bailado acrobático. A platéia se dividia entre estupefatos, incrédulos, calados e atordoados. E Marcelo, meu professor, fotografava Madonna, sem parar.
publicado pela primeira vez em 04/11/2004

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

O dia em que visitei a Zambézia

montagem feita por mim

Neste dia eu fui à praia, em algum lugar da remota Zambézia. O dia estava lindo e as pessoas muito animadas. Madonna deu as caras por lá, meio perdida no tempo, ainda usava seu visual True Blue... Ela não me pareceu muito bem, estava com um olhar distante e meio sôfrego, embora glamourosa como sempre. O lugar era muito bem freqüentado, gente vip, gente vop gente vup... (além de gente vap e gente vep também). Uma bela moça, representante da Coca-cola naquele país, veio me confessar sua alegria em ter, mesmo com mais de 90 anos, mantido um visual jovial e fresco. Eu perguntei se ela não havia feito algum tipo de plástica, ela disse que não, havia tudo sido benefício de litros e mais litros de Coca-cola ao longo da vida. Não sei como ela está por dentro mas por fora ela está realmente muito bem, diga-se de passagem. Quem concordou comigo foi a Hichiro Nakata, uma modelo da Benetton um pouco lesada da cabeça que vestia gorro de lã e cachecol em pleno verão africano. Mas fazer o quê? Ah! Patolino estava por lá também. Ele trabalhava como salva-vidas num posto avançado perto de Bay-north. No cumprimento do seu ofício, foi tentar salvar uma garotinha que se afogava e, com um pneu de carro e duas correntes de aço, acabou arremessando a pobre infante em direção ao desconhecido. Patolino, Patolino, pare de ser louco, dopado e enfurecido, isso não vai levar você a lugar nenhum... No final da tarde, já com o estranho sol esverdeado da costa da Zambézia se pondo, uma garotinha órfã do Iraque e seu gatinho Laden-Bin-Ozama, apareceram para pedir um colete com muitos bolsos. Eu não tinha mas a Madonna lhe cedeu sua jaqueta de couro preto, presente de George Michael para ela quando a década de 90 acabou. Não era um colete cheio de bolsos mas era uma jaqueta cheia de bolsos. A menina agradeceu timidamente, afastou-se mexendo na jaqueta, desapareceu atrás de umas dunas e, depois uma forte explosão, encheu os verdes céus do entardecer Zambézio com tons de laranja e vermelho profundos. Foi o mais belo entardecer que eu já vi.

Publicado pela primeira vez em 14/10/2004