terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Quebra-cabeças

imagem de m. c. escher - Relativity July 1953 Lithograph 27.7x29.2cm

















Aprendi desde cedo, com meus pais, que a vida é um quebra-cabeças gigantesco e que é função nossa montá-lo. 
Aprendi com a vida que esse quebra-cabeças é tão difícil de ser montado quanto de ser entendido, que a tarefa de montá-lo é árdua e requer mais que apenas uma vida.
Aprendi com as pessoas que esse quebra-cabeças seria mais simples, bem mais, se não fosse o fato de que estamos todos montando, cada um de nós, o seu próprio quebra-cabeças, cada um a seu modo, pegando peças uns dos outros, misturando-as, mandando-as pra longe, perdendo-as.
Aprendi comigo mesmo que não fazemos isso por mal, não somos maus, somos apenas ignorantes na arte de montar quebra-cabeças.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

As sombras são.


"andei por aqui e por ali, senti a brisa e o bafo. agora que me sentei nesta encruzilhada fria me vem essa sombra cochichar ao pé do ouvido. olhei pra ela de canto e meu olhar teve tanta força que a fez partir.- estúpida senhora de más intenções, a minha hora sou eu que faço. que vergonha."

"reunião dos corvos. o de sempre, todos calados, entreolham-se de esquina, pálpebras meio fechadas, cabeças meio baixas. corpos negros e compactos. às tantas um deles abre o bico e solta um som alto, como um tecido sendo rasgado. os demais abrem os olhos completamente, mas só por um segundo, depois voltam à condição de antes, encolhem-se mais. calados e sinistros continuam a reunião."

‎"casas distantes, escuras e desabitadas. dunas brancas e cercas desmanteladas. céu cinza chumbo, nuvens na cor da lua. brisa fraca, fria, monótona. grilos, vaga-lumes, morcegos aqui e ali. voz baixa, sussurro, mar negro, medo. sonho."

"não há bruxas temerosas até que suas próprias sombras estejam ameaçadas. cuspir na cara de uma delas é motivo pra risadas aterrorizantes. chutar ou pisar sua sombra, no entanto, lhe causa dor."

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A caverna




















"uma passagem estreita entre as pedras e a vontade de não ir. mas do outro lado a salvação, o ar, a água doce. mas o aperto, a claustrofobia até chegar lá. quanto durariam? dois minutos, dez? não havia como saber. dúvida e desespero, que combinação maldita. me lancei assim mesmo. joguei meu corpo entre as paredes ásperas e próximas, fui descendo rapidamente, arranhando os braços, sentindo pele e sangue se soltando, aqui e ali. mas fui, mais e mais, com muito mais gana e vontade de acabar com aquilo do que com dor. a esta altura viro-me pra mim mesmo e me pergunto: quanto já se passou? não sei, só sei que ainda continuo indo."

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A fotografia e a onda



















"a agonia de esperar que o mar volte. esta é pra mim a pior de todas as agonias. cada onda que vai me entristece até que a próxima volte. às vezes se passa tanto tempo entre uma e outra... já está fazendo anos. tive, mesmo triste, tempo de rever todos estes livros sobre os quais eu me sento. alguns eu havia lido já fazia tanto tempo que os reli como novidade. até que entre as páginas amareladas de um deles encontrei uma velha fotografia minha, era eu quando criança. eu não me parecia nada comigo mesmo, era outra criatura, menos triste e cheia de vida. tomei, então, a ousada decisão de tirá-la dali e colocá-la do meu lado, olhando pra mim, como um lembrete constante de que eu posso voltar e ser tão bom quanto já fui um dia. pena, foi um erro, a última onda a levou e agora eu espero aqui, sentado, há anos, que a traga de volta."

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A serpente



"ontem olhei pra baixo e vi uma sombra. pensei fosse a minha mas não era. era como a de uma serpente, com braços, longa e sinuosa. ela movia-se lenta e de vez em quando olhava pra mim. mas também olhava pro mar, era nesses momentos que ela se detia mais. talvez pensasse em algo que lhe fosse tocante, não sei. e assim ficamos, nos observando por dias, até que ela se virou pra mim e disse alguma coisa. eu não entendi, eu não entendia o que ela falava e não viria a entender nunca. mas sua voz era suave e fresca, me trazia alento e um estranho conforto. então deixei que ela falasse sempre, mais e mais. seus olhos eram de uma criança e me diziam coisas que sua fala não era capaz. então, um certo dia ela estendeu as mãos pra mim e segurava uma caixa. era uma caixa pequena e de papel. ela a segurou diante de mim por muito tempo e passaram-se anos até que eu finalmente tivesse coragem de abri-la. lá dentro eu vi um livro, livro de capa dura com muitas páginas escritas. as letras eram desenhadas com diamantes, pequenos e grandes, juntinhos uns dos outros formando palavras. tudo muito minucioso, tudo muito lindo. eu li tudo aquilo e vi que era a história da minha vida."

domingo, 22 de agosto de 2010

O dia em que Mariah Carey quase explodiu a Fonte Nova.



Com a palavra o chefe da empresa contratada para fazer a detonação do estádio da Fonte Nova, Sr. Novais.

"Pois é, a implosão da Fonte Nova será um evento único. Nós estamos aliando tecnologia de ponta e espetáculo musical. O espetáculo ficará a cargo da estrela internacional Mariah Carey que cantará para a platéia soteropolitana num palco flutuante instalado no meio do Dique do Tororó. A tecnologia aliada à voz dela fará com que o dispositivo acionador dos explosivos entre em ação quando ela cantar a nota mais alta da música "I will allways love you", gentilmente cedida pela Whitney Houston. Será uma maravilha! Após a implosão subirão ao palco as bandas Calcinha Preta e Parangolé."


Um dia após a explosão.

Com a palavra o estagiário da empresa contratada para fazer a detonação do estádio da Fonte Nova, Neinho.

"Rapaiz, o pobrema de eu ter colocado as dinamite no Dique do Tororó foi por engano, falô? É que eu tinha ido no show do fantasmão no Uertenuáider, tomei todas e depois fui direto pra lá, nim durmi. Eu até levei as dinamites pra lá pra não corrê o risco de esquecê. Mais quano eu chegeui lá no dique eu me enganei e coloquei as dinamite em volta do dique. É que me disseru que ia tê o show lá no dique e eu achei que era pra explodi lá mermo. Foi maus ai galera."

Bem, resultado: o agudo de Mariah Carey acabou jogando pelos ares ela mesma e de quebra as bandas Calcinha Preta, Parangolé e mais 1200 pessoas das 11000 que assistiam ao espetáculo no local. O estagiário será indiciado por homicídio culposo, aquele em que a pessoa não tinha a intenção de matar. Mas como ele é réu primário, cunhado do delegado, tem o juiz no Orkut, frequenta o feijão de dona Dilce na Sussuarana e é gente boa vai pagar em cestas básicas.
Uma nova implosão da Fonte Nova está programada para daqui a 5 anos quando as obras de recuperação do dique devem estar concluídas.